quinta-feira, 25 de março de 2010

8 anos

Estou aqui
sentado
no lugar de sempre
com meus livros espalhados sobre a mesa

Você passa
olha
e reclama

(mais uma vez você reclama)

Há algumas anotações no meu caderno
(também há revistas sobre a mesa)
me pergunto se estas palavras
servirão para alguma coisa

Você está de costas pra mim
(fazendo as coisas de sempre)
e
reinicia aquela mesma ladainha
inútil

Desta vez tentarei não dar atenção
(vou ler, desenhar)
já decorei tuas palavras
todas elas - e na ordem em que são ditas
os erros de português
as expressões erradas.

Eu te acho burra
já lhe disse muitas vezes.
Você nunca entende nada,
não dá a mínima importância
pro que faço aqui
sentado nessa cadeira.
Preocupa-se apenas em
"organizar"
aquele monte de tranqueiras
da "nossa casa"

-Você vai morrer um dia e
aquela porcariada toda
continuará lá,
do mesmo jeito.
Como se você nunca tivesse existido...

Não me lembro de alguma vez
você ter me perguntado se eu estava bem...
(também nunca perguntei se você estava bem,
é verdade)

Não sei se você lerá isto algum dia,
e se ler,
não sei se você vai entender
(porque você é burra)

"Você acha que a vida é ficar aí lendo?"

Você foi burra por ter casado
com alguém que nunca te valorizou
(não percebeu isso na época)

burra por ter tido um filho
(e de novo, e de novo, pelos que vieram depois)
Devia ter pensado nas consequências ANTES

Você continua falando, falando...
(Porque é tão difícil manter o silêncio?)
De que me importa
se você não aguenta mais
a vida que tem?
De estar cansada de fazer sempre
as mesmas coisas
todo dia

Não quero ouvir nada
quero me concentrar aqui
nesse texto cujo assunto
nem lembro mais qual era...
Por que hoje, não quero gritar com você
Não quero ceder a toda essa sensação
de impotência por estar sentado
à mesa tomada por livros amontoados
Me iludindo
achando que de fato
estou fazendo algo útil
enquanto o tempo corre e
permaneço dependente
de você

Hoje não quero me descontrolar
não quero gritar todas aquelas palavras feias
que você já ouviu saírem da minha boca muitas vezes
(Também quero poupar os vizinhos, é verdade...)

Não quero gritar com você porque você é burra
e não entende porque estou aqui
nessa mesa
em meio a essa bagunça

Você não vê que estou amarrado a essa mesa?
(pelo menos é o que acho...)

Você é burra por que se sacrifica demais.
Será que depois destes anos terríveis...

Nestes anos todos
me escondi atrás dos livros
empilhados na mesa

(fingia desvendar as "palavras difíceis")

Por isto pude me armar e
dizer que você é burra
De que outro modo poderia me defender de alguém que diz:

"Durmo tranquila porque sei que não fiz nada de errado.
E não tenho peso nenhum na consciência nem guardo mágoa de niguém"

Afinal,
é fácil apontar o dedo
e dizer
-A culpa é sua!
(isso vale pra nós dois)

Você dá importância alguma pros meus livros, não é?
Tá certo,
você nunca precisou deles pra viver...
(nem pra me ajudar a viver)

Engraçado que alguns dos livros dizem
que eles mesmos -os livros
não têm importância

Puxa,
você estava certa...
(mais uma vez)

E agora?
"não se pode esperar que alguém que a ama a trate com menos crueldade do que trata a si mesmo. A igualdade do amor é sempre bem terrível. Compaixão (não pena) pode ser uma coisa estupenda, mas o amor não sabe nada sobre o assunto"
Hannah Arendt
E só me restou o estético.
Forma vazia, plástica,
acessível aqui mesmo
na memória
remoldada o tempo todo
pelas palavras...
Claro, Confiança é algo que brota assim repentinamente, sem mais nem menos...
Amar é um verbo
cujas conjugações
só me escapam da boca pra dentro,
sempre raspadas e incômodas,
sempre acompanhadas de interrogações
muitas e muitas interrogações

sexta-feira, 12 de março de 2010

"E um dia virá, sim, um dia virá em mim a capacidade tão vermelha e afirmativa quanto clara e suave, um dia o que eu fizer será cegamente seguramente inconscientemente, pisando em mim, na minha verdade, tão integralmente lançada no que fizer que serei incapaz de falar, sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado corroendo o futuro! o que eu disser soará fatal e inteiro! não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante: sempre fundido, porque então viverei, só então viverei maior do que na infância, serei brutal e malfeita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas, ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a incompreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo novo."
Clarice Lispector,
Perto do coração selvagem
-O mundo está lá fora, FZ. Passou da hora de dar um passeio
-Mas não tenho a chave da porta
-Você nem verificou se ela está trancada...

quarta-feira, 10 de março de 2010

Tempo de bicicleta

Meu tempo está acabando...
Meu tempo está acabando...
...e tudo que faço é repetir
que
Meu tempo está acabando...

Deitado
enquanto o sonho não vem
ouço os segundos passarem
... os ponteiros se atropelam

Meu tempo está passando...
Meu tempo está passando...
E mais uma vez
um livro nas mãos
enquanto
Meu tempo está passando...

Na minha mesa
papéis a serem engolidos
de modo convulsivo.
Espera pela saciedade que chegará nunca.

Meu tempo está passando...
Meu tempo está passando...
enquanto ando de bicicleta.
Tempo bom, este!

As rodas dela são mais velozes que os ponteiros!

Meu tempo passa
"quantos prédios novos por aqui..."
Minhas rodas devoram o asfalto
"minha primeira casa... reformaram tudo. Ficou feia"

Cansaço bom! Falam que é a Serotonina
ou a Endorfina? ou sei lá que outra ina.
só bobagens de laboratório que desmistificam a vida.

Me sinto bem porque
estou em movimento
Pausa para a Vida na nãovida

Susto!
Freeeeeeeeeeeeeeeeeio!
"Sempre tem um imbecil atravessando a vida da gente!"
Tempo, tempo...
Fração de tempo
desatenção
caminhão
queda
quebra
lembro agora do Homem Lento [Coetzee]
Medo...

"Quantos carros agora... Carnês no lugar de travesseiros! hahaha!"
Ganhar dinheiro...
tempo, tempo
perda de tempo
minhas rodas pelas ruas de sempre
compromisso algum

"nossa escola"
"a casa dela"
Ainda visito os mesmos lugares!
um problema isso.
as rodas parecem ir sozinhas
Conhecem até os buracos -parece.

mudança... (desejo por ela)
Tempo, tempo, tempo
o ciclo do ponteiro
o ciclo das rodas
o ciclo do meu caminho
Algumas pessoas devem me ver passar todo dia
o cara da bicicleta
(serei personagem desconhecido na vida de alguém?)

Meu tempo está passando... observo
Meu tempo está passando... lembro
"ali ficava um bar... agora é igreja"
"a farmácia do meu pai era aqui..."
À esta hora,
lembro ainda,
apoiado no balcão e mãos no queixo
esperando o tempo passar vagaroso...
Os ponteiros custavam a descer pela tarde!

Meu tempo está girando...
Meu tempo está girando...
enquanto percorro lembranças
nas ruas desta cidade
Não gosto de parar para apreciar a vista
(já fico muito tempo parado)
Com minhas rodas quero a velocidade!

A ilusão de ir para algum lugar, sabe?
por caminhos tão comuns, mas que
me fazem atravessar o tempo
que insiste em passar
passar
passar

Passa um Volvo
"Latim, eu rolo"
Volvo com minhas rodas tortas...
com minhas pernas tortas
pela estrada torta...
clec-clec do pedal quebrado
Tento ir em frente com minha vida torta.
(rolando pela vida abaixo)

Velocidade
clec-clec mais intenso
atenção
rangidos, peças raspando
Parece que tudo vai desmontar
mas na descida ela pede
-mais velocidade!
Todas as minhas forças no pedal
(minhas pernas doem)

E chega aquele momento:

pedaladas vazias

mais força não adianta.

Vento

ruído do cubo das rodas

tronco reto
braços soltos, abertos

Final da tarde no lado esquerdo


As pernas descansam:
longa subida ali adiante.

Curriculum Vitae

FERNANDO ZERO

Objetivo
Nunca tive objetivos claros na vida. O vento soprava e eu me deixava levar de modo inconseqüente sem grandes preocupações, perdido em sonhos e sem atenção à vida prática. Há algum tempo me encontro enroscado num lugar que não sei bem onde... atualmente penso como fazer para voltar a ser levado pelo vento. Sim, soltar as amarras e vagar por aí. É um sonho que tento tornar projeto A numerologia, minha consultora, disse que minha Alma ama a liberdade e está sempre em busca de aventuras para conhecer o novo. Isto me inspira de verdade...

Experiência
Sem experiência, ou melhor: experiente em não ter experiência. Daquelas pessoas que observam e conjecturam sobre o mundo e permanecem perdidas nas nãoações.

Formação
Graduado "Debatedor de Buteco Qualificado" pela Faculdade Terra do Nunca.

Interesses
Ser admitido para a Vida
Muitas coisas simplesmente não acontecerão na minha vida.
Sei disso.
O problema é o que fazer com esta certeza...

Ato falho

Muitas coisas simplesmente não aconteceram na minha vida.
Sei disso.
O problema é o que fazer com esta certeza...

segunda-feira, 8 de março de 2010

fragmento de carta

"Às vezes consigo dar alguns passos a diante, mas quase nunca sozinho. Minha sorte é a Vida calhar de colocar no meu caminho pessoas que me puxam ou me empurram em direção ao novo, mas meus pés travam no chão e não vou muito longe. Quando isto acontece logo vem a culpa por não saber o que fazer com a ajuda que meus AMIGOS me oferecem..."
"-Abre-te, Sésamo!"






E continuei do lado de fora

fragmento de carta

"Essa estranheza que sinto surge da minha dificuldade de aceitar os fatos como aparecem, do meu arraigado hábito de fugir às transformações impostas pelas contingências, invitáveis na vida de qualquer pessoa, mas às quais fujo alimentando tristezas profundas com saudades de um passado idealizado que não deixo morrer, e que não canso de reinventar de modo a ficar mais aferrado a ele. Aquele estranho hábito de ter o sofrimento como minha única fonte de prazer... Mas não é um hábito tão estranho assim quando me dou conta de que esse prazer sofrido por tantas vezes era meu único prazer, meu refúgio para não enlouquecer. A pergunta que me faço agora, dada esta constatação, é 'O que aconteceu comigo, o que fiz de mim, para me privar da busca por novos caminhos para seguir a vida?"
"-Fiat Lux!"






E tudo continuou escuro

fragmento de carta

"Muitacoisa não mudou nestes meses, e isto foi um problema. Achava que finalmente muitas insatisfações que sentia morreriam com 2009. Pensava que minha formatura fecharia um ciclo, e que eu renasceria em 2010 para o Novo. Acreditei que teria forças para realizar mudanças, das mais pragmáticas do cotidiano, às mais complexas que dizem respeito à minha relação comigo. Tracei até planos para mim. Estava otimista e espalhei para tanta gente que faria coisas novas, que percorreria novos caminhos. Mas passou o dia primeiro de Janeiro, e depois, o dia dez de Fevereiro. E nada aconteceu... eram apenas datas. E eu continuei refém de sentimentos que me destroem, esperando coisas que não irão acontecer, rastreando impossibilidades para justificar minha inação e em Março reiniciarei meu caminho diário para a faculdade farei as mesmas coisas de seis anos atrás."

segunda-feira, 1 de março de 2010

Catados diários - Passos sob o Sol

É Verão e o calor pesa sobre meu corpo
O ar: úmido, pegajosos e insuficiente
O sol frita minha nuca enquanto caminho

Espero ficar cansado demais,
demais pra pensar em meus problemas
queria que o SOL queimasse os problemas
junto com minha nuca.

Meus passos me carregam para
o mesmo destino circular destino circular
circular destino
circular
circular
cretino

As mesmas paisagens e
ás vezes
as mesmas pessoas

Sou a mesma pessoa (?)
com os problemas as perguntas
de sempre e
fugindo das respostas,
obviamente fugindo das respostas,
fingindo as respostas,
pois esta é minha tradição, traição (ou será sina?)

Procuro nos olhos de quem revejo hoje
resquícios do que estas já foram

Monto com estes fragmentos
um mosaico tosco
colado com lagrimas
muitos chamam isto LEMBRANÇA

Vivo um passado que não foi
imaginando um futuro que não será

O presente?
Ah! Este não tem importância
Ignoro-o


Meu problema é o verão
vontade de tomar algo gelado...
mas o bolso, furado
O calor,
as pernas dELAS

Meu problema é ouvi-LAS dizer
“-Você é legal”

Cada passo um segundo
pé esquerdo na parte branca, o
direito vai na preta
Mas cuidado com a risca da calçada!
não posso pisar na risca da calçada.
O equilíbrio do universo será abalado se
eu pisar na maldita risca da calçada...

BUMMM!!!

E tudo acaba.

Vejam como sou importante:
Bastaria eu pisar na risca da calçada...
Mas sosseguem!
Afinal sou um cara legal

Catados diários - Distúrbios da visão

Sou míope, portanto.
Significa que tudo para além de um palmo do meu nariz
resume-se a um borrão de cores
Também posso diquer que sou uma pessoa sem HORIZONTE

Ao longe as pessoas são apenas silhuetas genéricas
Mesmo aquelas que eu achava CONHECER
se perdem no meu horizonte amorfo
[TODO amorfo que me cerca]

Para mim as pessoas são apenas corpos

Mesmo quando estão perto e
posso observá-las em seus gestos

Quando posso observar seus gestos

Mas quando elas estão próximas e
posso dar atenção a seus gestos peculiares,
não posso dizer que as enxergo

E não adianta
Mesmo que estejam tão próximas ,
mesmo que eu as visse nítidas
e se destacassem como um ponto nítido...

De vez em quando vejo uma silhueta se destacar desta neblina e
ganhar forma enquanto se aproxima...
se colocar nítida pra mim
Posso então fixar meus olhos nos dela
Perceber as particularidades de seu rosto
[um rosto dotado de expressões]
Mas mesmo quando ela se põe nítida
Ainda vejo só um corpo
não vejo uma PESSOA
mesmo esta proximidade não me permite enxergar nada além de um corpo

Percebo então:
Meus olhos, coitados,
como quaisquer outros,
só podem enxergar corpos.
VIVOS ou INERTES
Eles não podem ver pessoas

Não é culpa dos meus olhos míopes
Se não posso ver uma pessoa em outros olhos
Se não consigo ver uma pessoa
nos olhos diante dos meus olhos
não é por culpa dos meus olhos míopes

[Outra miopia me impede de enxergar as pessoas]

Outra miopia me impede de ver outra pessoa
Nos olhos diante dos meus olhos

[Outra miopia não me deixa ver as pessoas]

Outra miopia me impede de ver as pessoas

Outra miopia restringe meu horizonte a um
espelho no qual vejo refletidos meus defeitos
a reflexos de meus defeitos

Outra miopia me impede de ver as pessoas
(torna outros olhos meros reflexos de meus defeitos)
torna outros olhos meros espelhos
que refletem meus defeitos

(Me mostram no lugar de pessoas
miragens sólidas (de corpos) num denso VAZIO)

Outra miopia me impede de ver pessoas e
me mostra miragens sólidas cujos olhos...

No lugar delas vejo miragens sólidas num denso vazio
cujos olhos são meros reflexos de meus defeitos

Poderia dizer que é uma Miopia da Alma?
(se eu acreditasse em ALMA)

Pessoas não são vistas / As PESSOAS não podem ser vistas
pessoas são sentidas
Pessoas são sentidas nos corpos (?)
Mas para mim elas são miragens sólidas
em meio a um horizonte vazio e denso
Vazio por não sentir nada além de mim
Denso por que MEU egoísmo ocupa tanto tanto tanto tanto
que IMPLODO
num buraco negro

Os corpos apenas refletem meus defeitos
Sentir pessoas
Sentir pessoas
Não sinto as pessoas
Corpos são como estátuas
miragens sólidas.

Uma reflexão ao final do semestre

-Você não olha nos olhos quando conversa. – fui supreendido certa vez.
-Como assim? Esta é minha maior preocupação quando converso com alguém, pois me sinto inseguro, tenho medo de não entender e de não dar atenção ao que me dizem...
-Você olha nos olhos quando ouve. Quando fala, você olha para baixo, para todos os lados, menos para os olhos da pessoa com quem você está falando.

Sempre que converso com alguém me pergunto: Entendo o que esta pessoa quer me dizer? Será que eu quero entender o que ela quer me dizer? Me preocupo com ela e com suas ansiedades? Ou será que estou surdo ao que ela me diz e apenas preocupado em rotular o que é dito? Será ainda que vejo-a como um espelho e o que invariavelmente critico são meros reflexos de minhas características negativas, de meus fantasmas? Minha ansiedade transparece na minha obsessão por olhar nos olhos das pessoas enquanto converso.
Mas percebi: o que foi dito sobre mim era verdade e isto me desmontou, percebi então que minha preocupação em dar atenção às pessoas para tentar entendê-las nada valeria se eu não soubesse orientar minhas ações de acordo com a mensagem que desejo transmitir.

“Você desfoca, sai do tom
Se perde e não vê
Que a confusão começa
Dentro de Você!”

Geralmente meus semestres são acompanhados por alguma trilha sonora, músicas que me dizem “algo” relacionado ao que vivo, às vezes expressas nas letras, ou que sinto nas melodias. O pequeno trecho da música Você, interpretada pelo grupo Chicas, mostrou-me uma nova perspectiva para observar minha vida, dentro da qual ainda estou perdido.

Em outras leituras Hannah Arendt implodiu minhas pretensões de concertar os defeitos da humanidade e me alertou sobre a ilusão de caminhar com a história nas mãos. Com ela aprendi que o conhecimento não tem qualquer essência, e que ele pode matar a Vida se seu uso não for guiado pela capacidade humana de estar atento a tudo que esteja ao alcance de nossos sentidos, e que perante o horizonte da morte, a condição humana, as pessoas devem se preocupar sim em significar para si com elas mesmas, num diálogo interno, as impressões que guardam do mundo, mas não podem deixar de retornar sua atenção e seu sentidos para convívio com o outro, a comunidade, devem estar atentas umas às outras, em sintonia. Devem acolher e serem acolhidas para juntas em suas ações construírem o belo, o bom, construírem seus desejos enquanto fruem suas efêmeras vidas.
Mas sinto um abismo entre o que aprendi e aprendo das lições que tomei e a minha vida cotidiana, e me pergunto já há um bom tempo “Que diferença há entre aprender e viver? E como, ciente do que desejo para mim, faço para transformar minha vida? Como internalizo nas minhas ações e nos meus afetos o que aprendo pela cognição?” Nestas questões percebo as reminiscências de minhas ânsias logocêntricas, pois elas denotam o desejo de transformar a vida através do conhecimento.
Guardo ainda o desejo de utilizar o conhecimento para tentar entender minha vida. E para desvendar o Outro que me angustia: as pessoas com quem converso todos os dias, meus parentes, amigos ou pessoas de quem sequer sei o nome, mas com quem divido espaços do cotidiano, com quem tenho dificuldades em conviver. As lições de Hannah deixaram em mim o desejo de estar em sintonia com as pessoas com quem convivo.
Mas a observação que minha amiga fez sobre o meu olhar revelou que minhas ações são falhas, elas não expressam meu desejo de proximidade. Tão importantes para eu me entender com os outros quanto minha disposição em acolhê-los são minhas ações, preciso comunicar minhas intenções, ou permanecerei encerrado em minhas abstrações e desejos.
Numa festa uma outra amiga me disse algo que também me abalou:

-Gostávamos de você, mas você era fechado, não dava uma abertura para que a gente se aproximasse.

A amiga em questão é da minha “turma” ou seja, entrou na faculdade no mesmo ano que eu, assim estudamos “juntos” há cinco anos, mas escrevo juntos entre aspas, por que apenas dividimos os espaços da faculdade, pois foram poucas as oportunidades em que conversamos, e ela se referia ao seu grupo de amigos mais afins, com quem eu conversava e também sentia afinidades, mas sem conseguir me aproximar.
Parei para pensar no que ela me disse. Fiquei arrependido de muitas de minhas ações (ou omissões) nestes cinco anos, as pessoas que deixei de conhecer, com quem deixei de conviver nestes anos de faculdade devido a um receio para o qual não encontro justificativas, si apenas que ele está ali, sempre a espreita, e influencia minhas ações. Agora lamento sobre o tempo perdido, agora que estou próximo da saída da faculdade, mas só agora percebo que a falha é minha.
Com estas duas amigas e com Hannah Arendt pude aprender mais uma lição: que a maneira como se dá o acolhimento e a partilha da realidade entre aquela comunidade de pessoas unidas pela efemeridade fenomênica da vida humana é a atuação em um Palco comum a todos que estão vivos. Hannah escreveu que Ser e Aparência coincidem, que mera existência implica na capacidade de aparecer e perceber a aparência.
As pessoas contracenam e a vida do espetáculo depende da capacidade de Pensar de cada ator, ou seja, da capacidade de agir de maneira que o outro perceba sua intenção e de perceber a intenção do outro para a manutenção da sintonia. A dinâmica do espetáculo da Vida é o constante exercício de interpretação e comunicação entre os atores. A falha na comunicação ou a interpretação ineficiente na expressão dos anseios resulta na perda do senso de realidade, ou seja resulta na morte do espetáculo. Sem diálogo e troca as pessoas tornam-se mônodas belicosas e assombradas por medos fantasiosos.
[...]
27 de Novembro de 2008
Esse meu mundinho de papel dobrado é pequeno pra você.
Ele promete representar toda a vida existente fora dele.
Mas apenas representar...
Re-presentar...
Tornar presente outra vez.
Mas é mentira.
O que já está morto não re-vive.

Você, aproveita o que está vivo enquanto Vive.
Tentei aprender esta tua lição, mas aprender não é viver
e tentar
(infelizmente)
não é conseguir...

Você passa por todas aquelas coisas escritas,
tão difícieis para mim,
com desenvoltura,
leve,
meio perdida às vezes...
mas é poque você sabe que são todas
coisas pequenas
Você sabe: o que importa está fora do mundinho de papel dobrado.

Até queria sair daqui eseguir teu exemplo
para também ficar com a pele dourada pelo SOL
Tua pele dourada pelo sol...
marca da tua Vida Vivida
e desejo alimentado pelos meus olhos
(a gente deseja o que sente falta, lembra?)

Mas por enquanto, sabe-se lá até quando...
fico aqui dentro
protegido do SOL
Comtemplando as sombras mesmo...
as ausências...
as marcas negras que salpicam todas as paredes do meu mundinho de papel dobrado.


"Quando você chorou, era só por você e não pela admiravel impossibilidade de chegar até ela através da diferença que os separa.
De toda a história você só retém certas palavras que dizem aquilo que você tem: Doença da Morte. Bem depressa você desiste, você já não a procura, nem na cidade, nem na noite, nem no dia.
Assim, no entanto, você pôde viver esse amor do único jeito que lhe era possível, perdendo-o antes que ele acontecesse"
Marguerite Duras
"A doença da morte"
Hoje,
enquanto andava,
dava conta de uma mudança acabada de acontecer:

Ela já não é mais ELA, era agora apenas ela mesma. Que Bom!

E andando mais um pouco,
surpresa!
Encontrei-a.

Falamos um pouco:
a vida que segue costumeira,
as novidades dos dias iguais.

Observava a beleza dos olhos verdes.
Ouvia sua voz animada.

Despedida.
-Tchau!
-Até outro dia!

Agora diante de mim era epenas ela mesma.

ANIMA, enfim, perdia uma de suas faces!
No ônibus
observando os carros
a caminho daqui, pensei:

"Preciso aprender a errar..."