segunda-feira, 12 de abril de 2010

DENTRO, UM TURBILHÃO DE DEMÔNIOS
A PONTO DE EXPLODIR MEU CORPO
TODO MEU ÓDIO ESCAPARÁ PARA A ATMOSFERA!

mas

nos meus olhos vêem
apenas uma paz asséptica
Minha expressão de compreensão
significa ausência de emoções

A espontaneidade foi perdida.
Em seu lugar, um planejamento incompetente
inspirado por um falso desejo de isenção
Mas que de verdade
é conseqüência do medo.
Pois errar é fatal
Descobrir-se iludido é vergonhoso

Não há futuro, a cada dia que abro os olhos lamento o sonho perdido...

Catados Diários - Amaro Voyeur

As sombras são a minha casa
Nelas, desde há muito, observo a vida

apenas observo

colocado à parte
Escondido de todos na escuridão
sonhava minhas fantasias acordado
suplantando em meu mundo
a inveja que sentia dos prazeres alheios

Via,

incrível, mas é verdade,

no FUTURO a VITÓRIA

CERTA e REDENTORA

suplantar todos os fracassos que sentia.
Porque SABIA:
Das sombras,
refúgio dos dias vergonhosos,
passaria ao alto
iluminado pelo reconhecimento...
Afinal, sofrimento algum deve ser vão!

Mas o tempo correu
hoje me vejo velho...
e ainda me arrasto pelas sombras
à espreita da vida alheia
à espera de migalhas de atenção

Derrotado, como sempre
(já que as vitórias, aprendi, pertencem aos OUTROS)
Apagado, como nunca
porque
não trago mais o brilho do futuro
refletido nos olhos

Das sombras continuo a observar vitórias
Figurante obscuro e sem falas de uma peça
cujo erro em cena
ou ausência no palco
sequer seriam notados

Continuo um corpo inanimado ambulante
(caminhando pelos corredores)
de maneira incólume. Sem voz ou rosto,
fantasma de carne e osso,
através do qual todos olham, sem jamais ver
Perdido num labirinto de livros incompreensíveis

Sem matéria, imerso num mar de pessoas...

Catados Diários - ...sombria inveja

Sombras não existem por si.
são conseqüências
são a parte que não recebe luz
Estão fora
São coadjuvantes daqueles que brilham ao sol
Sombras são iguais, o negro – a ausência
Um espaço que falta
janelas para o nada
ambíguas entre o profundo e o raso

Sombras são frias, mortas
Refrescam por um instante, mas
logo são abandonadas
preteridas
pelo calor estimulante do SOL

Sombra é o medo
conseqüente à insegurança de não enxergar
conseqüente à insegurança de se perder
no meio da noite
de se sentir indistinto na escuridão

As sombras precisam da LUZ
para culpá-la
por tudo o que não são.

Catados Diários - fingido fujão

Abandonar o que?
Não trago nada em minha mala,
nada de amores ou conquistas.
Na minha trajetória desviei de todos os perigos.

Mas isto não impediu que eu fingisse audácia
E que culpa tenho se acreditaram em mim?

“Cínico! Sempre desejou que acreditassem!”
“Você precisava que acreditassem!”

O que?
Me faço de surdo
São apenas gritos dentro da minha cabeça..

Catados Diários - teórica paixonite

Tenho vergonha de minhas idéias
Sempre rasas e comuns

(Tenho vergonha do que digo pra mim
Sempre conceitos rasos e banais)

Tenho vergonha do que digo para mim e para os outros:
Sempre conceitos rasos, banais,
defensores de um ponto de vista qualquer
que eu achava serem MINHAS idéias
Mas hoje me disseram:

De tuas estas idéias nada têm
Elas é que te possuem,
te seduziram. Te ocuparam
E você as defende
como um amante cego aos defeitos da amada
Seja infiel àquela que te possui!
Deixe-se envolver por outras
Rompa com os amores antigos

De certo você cairá na incerteza
Será dolorido, não tem jeito

Mas só um novo feitiço desfaz o antigo
Páginas e páginas depois, ainda estou aqui... procurando por manuais sobre a vida-que-deve-ser-vivida, perdendo tempo com discussões empoeiradas. Nestes dias aspirei toda aquela poeira negra e ela impregnou meus pulmões. Agora o sopro das minhas palavras empesteia o ar de mortas partículas humanas... faço voar por aí matéria morta esquecida pelo tempo. Queria hoje era ter um coração de pedra. Mas digo “Calma...”. Percebo que o pulsar cada vez mais vagaroso e dolorido que sinto no meu peito é sinal de que aquele pó que circula pelas minhas veias pouco a pouco se deposita em cada átrio e ventrículo, então “Preciso ter paciência...”. Porque aos poucos esse músculo apodrecerá e logo se tornará apenas pedra e então, quando isto enfim acontecer, no meio da noite abrirei os olhos e poderei dizer que “Não dói mais...”.

Paper Man

Mais uma noite, fim de domingo, a velha sensação de ter acabado a vida. Simples assim. A vida acabou e permaneço sentado à espera de não-sei-o-quê. Os créditos do filme já subiram. Estou agora diante da tela negra... não sairá mais coisa alguma dali. Não haverá extras, nada. Mais uma noite sentado, refletindo sobre coisas que não valem a pena. As mesmas ladainhas. Li hoje numa página da Clarice “-acho que não preciso vencer na vida”. Resume bem a situação.
Pela primeira vez em muito tempo estou cansado da pilha de papéis, mas não tenho nada à mão para substituir o vazio deixado por ela... Sem meu mundo de papel resta apenas a vontade de fazer coisa alguma.
Há um momento em que todas aquelas idéias cansam, sabe? Chega uma hora que não consigo fazer mais conexões e tudo cansa... começo a me perguntar sobre a serventia daquela papelada toda... Uma fuga por uma estrada branca ladrilhada por letras. Mas o mundo de papel cansa na sua monotonia bi-color e nas paredes demasiado frágeis ao toque e a chuva: ela alimenta a vida e destrói o papel.
Acho que é por isto que detesto chuva, por isso fico mau-humorado quando os pingos me tocam e ensopam minha roupa, por que sou um homem de papel que sob a mais fina garoa vê todas as tatuagens borrarem enquanto sente o próprio corpo pesado e transparente simplesmente virar um monte disforme que logo desaparecerá pisoteado pelos passantes.
O homem de papel também deve manter-se longe do fogo da vida, viver transformaria-no rapidamente em cinzas a serem sopradas pelo vento.
Também o contato com as pessoas é nocivo para ele, a acidez da pele gradativamente o degrada, o manuseio constate estraga as encadernações de linha que formam seus tendões e músculos.
O homem de papel deve então ficar guardado numa prateleira após ser devidamente catalogado com números de chamada e tombo patrimonial. Ali ele poderá descansar guardando os segredos dos significados de suas tatuagens. Distante da luz para não desbotar. E nada choro, homem de papel, a umidade embolora as páginas e fará você ir mais cedo para a lata do lixo.
Devidamente acondicionado, longe das intempéries da vida, poderei até durar alguns séculos, quem sabe.
“Odeio ser eu!”
Essa afirmação me invade de modo freqüente há sei lá quantos anos. Quando menos espero:
“eu Odeio ser EU”
E mais uma vez começo a pensar nas fantasias tolas que me ocupam. E mais uma vez
“Odeio ser EU”
Porque me sinto imóvel enquanto o tempo arranca meus pedaços na imperfeita renovação do meu corpo: cada célula é uma cópia mal feita que se reproduz cada vez mais deformada até morte.
Por isso “eu odeio ser eu” A cada instante que me dou conta de que EU observo mundo através de meus olhos estragados pelo cerotocone que dia a dia se torna mais acentuado... Uma pirâmide na topografia de cada olho. Será que ficarei cego?
E me odeio cada vez mais enquanto escrevo estas eternas repetições. Tenho uma mente ruminante, vejam só! Uma prisão. Ramster de óculos correndo na roda... roda das lembranças de erros e frustrações que giram, giram, giram sempre iguais e distantes enquanto as persigo...
Só resta me odiar mesmo... preso de costas para vida observando as sombras, sombras, eu estou nas sombras... pretensamente inocente, a espera da luz redentora. E eu odeio ser EU porque tudo que sei dizer é que estou de mãos atadas, e mais nada. “oh! minhas mãos estão presas enquanto rolo descida abaixo. Realmente uma condição triste. Estou de mãos atadas enquanto a queda infinita da morte se aproxima. Sim, não conseguirei soltar as mãos para me agarrar à qualquer coisa. Mas sou consciente do meu presente e o que me espera.” Me agarro a isto, a esta ilusão, mas e daí? De que me serve a ilusão de consciência se estou rolando rumo à queda infinita?
“eu Odeio ser EU”
Por que há qualquer coisa que enterra meus pés no medo. O Vôo assim torna-se impossível.
“eu Odeio ser EU”
porque minhas chaves não abrem tranca alguma, muito menos aquelas que me mantém preso à COISA que está dentro de mim e que não me deixa viver. [Julia, esse Sol é mesmo de matar]
“eu Odeio ser EU”
Porque todo tempo lembro das minhas impossibilidades: as que nasceram comigo, as que me empurraram e as que reconstruo dia a dia...
...a música que não sei cantar, meu violoncelo imaginário, o talento que sonhei ter para o desenho... Queria saber desenhar o rosto dELA de todas as maneiras em todas as suas formas, as que já teve e nunca teve, para cobrir todas as paredes do meu quarto e as páginas dos meus cadernos. vÊ-LA surgir das minhas mãos a cada sonho.
...o vôo pelo salão em passos daçados...
...os lugares onde desejava estar, as situações que desejei viver um dia, os sentimentos que sonhei sentir.
... a força que gostaria de ter e que por isto invejo nos outros. Força para simplesmente não estar mais aqui nãofazendo as coisas de sempre.
... a vontade de um dia começar a contar para todos com paixão as coisas que fiz e vivi, no lugar de contar, como faço agora, contar como nãofiz...
Por isto que eu Odeio ser EU... porque nãovivo
“eu Odeio ser EU”
porque repito para mim que eu odeio ser eu, assim como uma dízima periódica daquelas que repetem uma seqüência finita... É assim meu discurso: repetido. Sem graça. Sem aquela coisa mágica de quem escreve bem... assim, cheio de mea-culpa vazia e inútil.